quarta-feira, 25 de março de 2015

LORRANA SCARPIONI, A BRASILEIRA QUE GANHA DINHEIRO COM TEMPO LIVRE



Lorrana Scarpioni começou cedo: a brasileira é a mais jovem entre os jovens mais inovadores no Brasil. No final de abril, a edição em português da revista de inovação MIT (Massachusetts Institute of Technology), Technology Review, divulgou a lista com os dez brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos. Aos 23 anos, Lorrana é uma das duas mulheres.

Nascida em Salvador, mas criada no Paraná, Lorrana acabou de se formar em duas faculdades que cursou ao mesmo tempo: Direito, na Unicuritiba; e Relações Públicas, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2012, e depois de assistir a dois documentários sobre economias alternativas e colaboração online, teve a ideia de criar uma rede colaborativa de troca de tempo, a plataforma Bliive, que hoje possui mais de 15 mil usuários e está em 55 países.

A rede funciona da seguinte forma: o usuário se cadastra na Bliive e oferece uma atividade, como, por exemplo, uma hora de aula de piano. Em troca, ele ganha um TimeMoney, a moeda utilizada na plataforma. Depois, ele pode trocar o crédito por qualquer outra atividade oferecida por outro usuário no site, como aulas de inglês ou de defesa pessoal básica. Até o momento, já foram registradas 27.500 horas, mil trocas foram realizadas e cerca de cinco mil estão para acontecer. Os membros do site também podem doar o seu tempo livre em ONGs cadastradas pela Bliive.

“A ideia é dar valor para todas as pessoas, não importa se ela irá fazer uma hora de Photoshop ou se vai ficar uma hora varrendo uma casa, isso vale um TimeMoney. Se você quer usar a Bliive, não é porque você quer ganhar alguma coisa a mais que alguém, é porque você quer trocar algo mesmo. Ou seja, todo mundo ganha a mesma coisa e todo mundo tem o mesmo valor”, afirmou.

Agora, depois de ganhar o seu quarto prêmio, o Sirius Programme , Lorrana se prepara para levar a sua startup para a Escócia, no Reino Unido. 

Sabemos que o Bliive surgiu depois que você assistiu a documentários sobre formas de economias alternativas e colaboração online. Como foi a concepção do serviço que está no ar hoje?

O documentário sobre economias alternativas falava sobre como o dinheiro pode ser mais saudável do que ele é hoje. Tratava de como a escassez do dinheiro trazia uma “escassez virtual”, ou seja, muitas pessoas que têm coisas boas para trocar, mas não possuem a moeda que permite que essas trocas aconteçam. Quando é criada uma economia onde a troca é em material, você cria um sistema de abundância onde as pessoas podem utilizar aquele talento, que até então estava sendo desperdiçado.

O outro documentário era sobre colaboração online e couchsurfing. Um dia, eu estava assistindo vários Ted Talks e eu sempre achei que para empreender a gente tinha que ter muitos recursos. Eu sempre quis montar uma ONG, mas imaginava que tinha que ser depois que eu ganhasse dinheiro. Nessa noite, eu percebi o quanto as pessoas podem fazer, muitas vezes sem recursos. Eu fui dormir e fiquei me perguntando o que dava para fazer que tivesse algum impacto. Mas foi coisa de estar sem sono, não foi nenhuma discussão filosófica. Eu não estava conseguindo dormir, pensei, e daí veio a ideia da Bliive. Daí eu levantei para anotar e já fez sentido.

Você já tinha pensado em abrir uma empresa?
Eu sempre me imaginei criando uma ONG ou uma escola, mas eu não me imaginava criando uma empresa, eu me achava muito inexperiente.

Depois de ter a ideia de madrugada, quais foram os primeiros passos para criar a rede?
Para fazer a ideia acontecer, eu contei para alguns amigos e fiz parcerias. A jornada foi um pouco complicada porque eu acabei fazendo muitas parcerias que não deram certo. Eu fiz uma parceria com o filho de um amigo do meu pai, que tinha uma empresa de tecnologia. Nós começamos juntos e acabou não dando certo, porque ele queria esperar para ver se não aparecia nenhum projeto parecido. Daí eu resolvi acabar a sociedade. Depois, eu resolvi ir a empresas grandes, mas elas cobravam muito dinheiro para criar a plataforma. Uma delas chegou a me pedir mais de R$ 150 mil. Em meio a tudo isso, eu entrei em um estágio na Procuradoria da República do Estado do Paraná. Nessa época, eu ainda cursava direito na Unicuritiba. Foi aí que eu resolvi pagar um programador eu mesma, o que acabou não dando certo também. Eu tive a ideia em maio de 2012 e em novembro ainda não tinha uma linha de código programada. Depois de perceber que não dava certo, resolvi pegar o dinheiro que os meus pais iam pagar para que eu tivesse baile de formatura e investir na minha empresa. Nessa época, também consegui dois designers como sócios, Murilo Mafra e José Henrique Fernandes, e começamos a pagar um programador. Um designer fez a parte de marketing e o outro fez a parte de web. No dia 3 de dezembro de 2012, nós programamos a primeira linha de código da Bliive e lançamos a rede colaborativa em maio de 2013.

Vocês tiveram algum investimento no início?
Por enquanto, nós não recebemos nenhum investimento. No começo do projeto, ninguém trabalhava só para a Bliive. Eu fazia duas faculdades, tinha um estágio e os outros também continuaram a fazer freelas. Em outubro, nós ganhamos o primeiro prêmio nacional, a Creative Business Cup Brasil e fomos para a Dinamarca. Lá, nós descobrimos que uma oportunidade legal seria entrar no mercado europeu pela ideia e a oportunidade de negócios que existe por lá. Depois do prêmio, nós começamos a negociar com alguns investidores brasileiros, mas em janeiro nós já ficamos na fase final de um programa do governo inglês de aceleração, o Sirius Programme. Em fevereiro, saiu que a gente tinha passado. [A Bliive competiu com 2 mil concorrentes do mundo todo para ser uma das 30 empresas selecionadas pelo Sirius]. Aí, nós paramos todas as negociações com os investidores, porque iremos para a Escócia passar um ano em contato com o mercado europeu. Nós vamos ter um salário de mil libras para cada integrante e outros vários benefícios, como escritório, mentoria, capacitação em vendas, etc.

Quatro membros vão para a Escócia. Quantos vocês possuem no total? O que eles fazem?
Nós estamos em sete. Quatro vão para a Escócia e três vão ficar no Brasil. São dois programadores, dois designers, um de marketing e um de web, um advogado, uma de relações internacionais e eu.

Quais são as suas expectativas sobre este ano?
Eu imagino que seja um tempo de muito aprendizado. Para mim, é a realização de um sonho porque eu vou trabalhar oito horas na Bliive e vou conseguir me manter. Nós sabemos que nós temos um ano para fazer o negócio acontecer e fazer que ele dê certo de verdade. O governo inglês apoia mesmo, no sentido de oportunidade de negócio e contato para venda. Eu imagino que seja um tempo para dar o melhor e fazer essa oportunidade valer a pena. O objetivo do programa é que em até seis meses, as empresas consigam investimentos. 70% das empresas que entram, recebem. Nesses seis meses, a gente vai passar entendendo o mercado e remodelando a empresa e aí será o momento de procurar investimento para fazer a aceleração mesmo.

Depois de colocar o site no ar, como vocês perceberam que a ideia estava dando certo? O que foi preciso fazer para que as pessoas começassem a gostar da sua ideia?
Tudo aconteceu via mídia espontânea. Nós não tínhamos recursos para assessoria de imprensa, mas como a ideia era muito legal, logo nas primeiras horas que o site estava no ar, já tinha matéria falando da Bliive na mídia. Foi saindo em muitos lugares e isso foi deixando a gente muito feliz. No começo, para entrar na rede, tinha que receber um convite de alguém e no primeiro mês nós tivemos uma lista de espera com 12 mil pessoas.

Quantos usuários vocês conseguiram no primeiro mês? Como a plataforma foi crescendo?
Na época de convite, no primeiro mês, entraram umas três mil pessoas e continua crescendo nesse ritmo. Hoje, nós temos quase 16 mil usuários e acreditamos que a partir de agora é que vamos começar a crescer de verdade. Por enquanto, só eu trabalho apenas para a Bliive. Agora, mais três pessoas irão se dedicar ao projeto oito horas por dia.

Como a empresa se tornou multinacional?
Nós começamos a nos tornar internacionais depois de um mês que a plataforma estava no ar. Blogs internacionais começaram a fazer matérias sobre a rede e foi aí que o pessoal de fora começou a acessar. Nos Estados Unidos e em Portugal, nós temos mais de 500 usuários. Ao todo, são quase mil usuários internacionais. Para ajuda, nós traduzimos a rede para o inglês também.

Quando você decidiu abandonar o seu emprego para se dedicar exclusivamente no projeto?
Eu comecei a trabalhar em setembro de 2012 e parei de estagiar em setembro de 2013. Eu trabalhei um ano lá, enquanto eu fazia duas faculdades e tocava a Bliive. Era bem maluco (risos).

Achei muito interessante a ideia do TimeMoney, mas as pessoas possuem cada vez menos tempo livre. Como resolver esse impasse?
Muita gente arruma tempo. Tempo ninguém tem e todo mundo tem, é só querer. Hoje, eu percebo que quando a pessoa curte a ideia e acredita, dá um jeito. Nós queremos lançar até o final do ano uma ferramenta de agenda para ajudar as pessoas a organizarem o próprio tempo. A ideia é sincronizar a agenda dos usuários para eles encontrarem quem tem o mesmo tempo livre. Essa é uma das ferramentas que vai ajudar a galera a encontrar tempo.

Hoje, a rede possui quase 16 mil usuários e está em 55 países. Este número está dentro das suas expectativas?
Eu acho que no começo de uma startup nós acabamos sonhando muito alto. A gente imagina que vai ter um milhão de usuários em um ano. Eu acredito que esse seja um número bom, mas a gente espera obter resultados maiores.

Voce já trocou alguma hora? Qual?
A primeira hora que eu troquei foi sobre empreendedorismo e startup. Eu gosto muito dessa parte de empreender e dar palestras sobre isso é algo que me inspira bastante. Na verdade, eu dou umas dicas e em troca, eu já fiz bastante coisa, como aula de violão e até de Google Analytics.

Qual foi a atividade oferecida mais estranha que você já viu no Bliive?
Tem muitas pessoas oferecendo atividades bem diferentes. Tem gente que ensina a coreografia do Single Ladies, a pular corda como o Rocky Balboa, tem gente que oferece para arrumar a bagunça do quarto. Tem uma que eu achei muito interessante que era alguém oferecendo uma opinião de um terceiro desinteressado – todo mundo da família e dos amigos já tem uma opinião formada, ou seja, ele estava oferecendo uma opinião com imparcialidade. As pessoas são muito criativas e o que é legal do Bliive é que muitas das coisas que são oferecias lá você não encontraria no mercado normal, pagando. Por ser colaboração, acho que as pessoas entram mais na vibe de criar coisas diferentes.

Em algum momento já passou pela sua cabeça vender a empresa? Você já recebeu alguma proposta de compra?
Hoje, eu não venderia e nos próximos anos talvez não. No começo, nós éramos muito apegados, mas hoje eu vejo que se um dia eu perceber que o melhor para o Bliive é não estar comigo, é estar com uma empresa que às vezes faria mais para ela do que eu, sim, eu venderia. Venderia pelo bem da ideia e para tornar o mundo mais colaborativo. Mas, no geral, não é um plano que eu tenho.

Depois do Facebook, surgiu uma onda de novas redes sociais oferecendo diversos serviços – a maioria delas não decolou. Qual é o segredo da Bliive?
Eu imagino que é não ser uma rede social de fato. Eu acredito que o nosso diferencial tá na troca de tempo. Tem a parte social, onde você pode compartilhar com os seus amigos as coisas que você está vivendo e fazendo, mas, no geral, a rede está focada em troca, em experiências que te permitem sair de casa e conhecer gente olho no olho.

Quais são os próximos planos para a rede? O que vocês esperam que ela se torne nos próximos anos?
O próximo plano é a internacionalização da Bliive, que vai ser um desafio importante. Nós também queremos redesenhar a plataforma. Agora que nós temos bastante usuários, a ideia é ouvir mais eles e pegar mais informações sobre a forma como eles agem e o que ele mais usam e menos usam para poder deixar a plataforma do jeito que eles imaginam e gostariam. Nesse ano, os maiores desafios são: promover mais troca e tornar o modelo de negócio escalável – além de sustentável, a empresa precisa começar a crescer.

Como você acha que a Bliive irá conseguir aumentar o número de trocas?
Nós precisamos aproveitar mais da inteligência que a gente tem dentro da plataforma. Nós precisamos que as atividades que determinada pessoa preferir, chegue até ela de maneira mais fácil, por exemplo. Uma interação com o Facebook, para dar mais segurança ao usuário, também seria importante.





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