terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

CHUVAS DE AMOR por Fernanda Pompeu | Mente Aberta



Fico lembrando que na juventude amar se parecia a devorar. Tinha a ver com seduzir a alma e degustar a carne. Uma mistura de intelecto e quadris. Dançar sob luzes estroboscópicas e sair para incendiar lençóis. A gente pode chamar esse negócio de amor-paixão. Ver-se refletido no outro. Respirar e existir para o outro.

Digo juventude, mas é claro que o amor-paixão pode sorrir para qualquer idade. Tem casal velhinho apaixonado, mesmo sem luz piscante e sexo da hora. Assim como existe mocinho com coração resistente como madeira de lei. A idade das pessoas pouco tem a ver com os sentimentos. Estes não dão bola para a cronologia das agendas.

Mas o que quero nesta tarde de verão paulistano é falar do amor microscópico - o que não se exibe, o que não escreve poemas e nem toca no iPhone. O amor da viúva oitentona beijando o retrato do seu morto mais querido. O amor da menina de cinco anos pelo ursinho cheio de fiapos e sem um olho.

Amor que não rende capa de revista e nem sai nos jornais. O amor do vizinho por sua Brasília bege. O amor do senhorzinho e de seus amigos pela bocha de domingo. O amor do jovem engenheiro pelos mapas das águas. O amor da empregada doméstica pelo sucesso da filha advogada.

O amor da minha mãe por todas as florezinhas que encontra pelo caminho. Amarelas, brancas, azuis, roxas. Faz três dias ela me apontou para uma flor diminuta, escondida na folhagem. Eu não enxerguei. Ela deu um puxão no meu braço. "Aqui, aqui!", disse. Como eu continuasse sem ver, ela se exaltou: "Você parece cega."

Minha mãe tem razão. Mantenho os olhos arregalados para o trânsito, para as contas, para os ponteiros do relógio. Nunca estou exatamente ou plenamente no momento presente. Se é de manhã, penso na tarde. Se de tarde, antevejo a noite. Então é evidente, fico cega para uma flor diminuta, efêmera, tímida atrás da folhagens.

Sou um poço fundo de preocupações, mas não amo nenhuma dessas metas que imagino ter que alcançar. Para aonde mesmo estou indo? Acho que preciso aprender a responder isso, pois senão qual o sentido? Qual o amor?

Tenho clareza de que somos muitos e bem diferentes nos quereres. Iguais em necessidades, distintos em prazeres. Mas seja qual for o caminho, seja qual for a característica do solo, devemos perguntar se é um caminho de amor. Caso contrário, para que mesmo?

Fernanda Pompéu


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