quarta-feira, 15 de maio de 2013

O TESÃO DE NÃO TOCAR A MULHER ADORMECIDA - Xico Sá




Tu apagaste (ainda) na minha sala e só me restou fazer como aquele velho do livro japonês. Se soubesse tinha cortado a água que passarinho não bebe. Não, isso não se faz com uma gueixa que ama os pássaros traupídeos, os assanhaçus.

Te olhei a noite inteira como mirava aquele ancião da casa zen das belas adormecidas. Sem poder tocá-la.

Te olhei como nunca. Cada fiozinho da sobrancelha e olhei os fiozinhos das entranhas como um cego lê em braile por debaixo dos lençóis.

Havia um laço na calcinha, desenlaçável até para o mais ágil dos caubóis laçadores de mustangues. Vide o filme “Os Desajustados”, com a Marilyn e uns canalhas geniais.

No que fui com a mão esquerda rente aos pêlos mas erguendo a calcinha aos céus possíveis, na contra-força da lei da maçã de Newton, de modo a não tocá-la de forma alguma.

Não era a hora do fatal descuido. Mulher tem hora, minuto, segundo, aprendi com minha gatinha de quatro pés, a Deli, que existe o momento certo para se ter uma fêmea colada com superbonder na sua costela.

Nada dá mais tesão do que chegar à menor distância possível de uma pele. Sem tocá-la. O silêncio engasgado na respiração mais profunda.

O suspense.

O suspense de que alguma buzina de contrariedade e angústia (de cidade grande e perdição idem) te faria abrir os zolhinhos a qualquer espanto ou junguinismo sonhento.

Nem.

A um centímetro dos mamilos. De olhos bem fechados. Vi o direito crescer de modo a relar meus dedos, no que recuei uma coisinha de nada possível.

Os pelinhos das coxas, eriçados, ressuscitaram de todos os salões depilatórios e difamaram a cera negra espanhola. Senti os pelinhos quase a tocar a linha da vida da minha mão torta.

Eras a giganta de Baudelaire crescendo nas retinas das minhas impossibilidades morais.

A arte zen de andar na bicicleta dos aros dos meus óculos, as duas rodas que movem moinhos, os sonhos que explicam um conto de Cortázar.

Estive a meio centímetro da tua vulva indecifrável, bonito desenho sinuoso, labiríntico, estive a meio centímetro, a décimos de nonada, com todos os dedos, inclusive o anelar médio da nossa futura aliança que já brilha no infinito.

Amei, porém, aquele tão longe tão perto como a melhor das penetrações do mundo.

Era preciso perceber o que separa um homem acordado e uma mulher desmaiada.

Agora o travesseiro me diz todas essas coisas e sabe separar teu cheiro nas minhas narinas dos cheiros à prova das melhores lavanderias do universo.

Não tocar é estar mais que dentro.


PerfilXico Sá é escritor, jornalista e colunista daFolha
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