quinta-feira, 4 de abril de 2013

LIVRO: AMOR NATURAL - POEMAS ERÓTICOS - Carlos Drummond de Andrade


Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.

Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

Carlos Drummond de Andrade





Estre livro é uma coletânea de poemas eróticos de Carlos Drummond de Andrade. Uma visão inquietante que revela uma face nova, mais despojada, porém extremamente fascinante do poeta. São textos repletos de vida e sensualidade, onde o autor se introjeta ao mesmo tempo que se expõe, desbravando o corpo enquanto busca, na fluidez e sensualidade da linguagem, a própria nudez da alma. 

P.s.: Drummond, um homem sempre a frente de sua época, não podia ficar para trás, escrevendo poemas que falam da sensualidade, do erotismo de forma densa, mas com uma sensibilidade, uma riqueza de detalhes e uma classe própria do grande poeta!

Alguns não conseguem compreender a conversão do comedido mineiro em militante póstumo da sacanagem. Isso na realidade não aconteceu... “O Amor Natural" não nasceu de um desvario momentâneo. O livro de poemas pornográficos, lançado em 1992, choque entre as mocinhas e senhores desavisados, não expôs contornos radicais do poeta, mas sim deixou aparecer contornos que já vinham sendo insinuados desde o Modernismo, usado em tons de poesia-piada (Era manhã de Setembro/ e/ ela me beijava o membro). 

O livro só mostra que, entre todas as facetas demonstradas pelo autor, a faceta “homem” também existia... com tudo que dela advêm... e vida, morte, dores, tragédias e felicidades só ganham o tempero do sexo que aparece como algo atraente e belo, mesmo repleto de falos, vulvas e pêlos... sem vulgarização do tema, pelo contrário, rende-se a produção de poemas que vão do erótico ao pornográfico, passando pelo completo despudor; versos onde ato sexual não eleva nem rebaixa, mas sim, aceita exultante a condição simples, o exposto cru, bastante cru, de ser humano. 



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